Artigo publicado em 1972 na revista Luta Ideológica, órgão do antigo Partido Comunista Revolucionário.
A ditadura militar brasileira necessita do terror policial como o peixe
necessita da água. Ela surgiu no nosso cenário histórico, justamente
para impor o terror. Era preciso proteger os interesses do capital
estrangeiro, da alta-burguesia nacional e dos latifundiários, ameaçados
pela relativa liberdade existente no governo João Goulart. Tal liberdade
facilitava o esclarecimento e a organização do povo pelas forças
revolucionárias. Esse esclarecimento e essa organização desembocariam,
mais cedo ou mais tarde, numa rebelião total contra a dominação
imperialista em nosso país. Para esmagá-la no nascedouro, a Agência
Central de Inteligência (CIA) dos Estados Unidos revolveu o museu de
nossa história, lá encontrando os agentes indicados, os generais mais
fascistas, mais fiéis aos monopólios norte-americanos e seus aliados
nacionais.
Para cumprir sua missão, sabiam e sabem os generais, era indispensável
prolongar a secular miséria de nosso povo, desde que a melhoria das
condições de vida do mesmo é incompatível com a dominação de nossa
economia pelos monopólios estrangeiros e a estrutura agrária, em que
predomina o latifúndio. Sabiam e sabem os generais que sua missão se
constituía na mais vergonhosa traição, no mais terrível crime contra o
povo. No entanto, aceitaram, e cumprem com perfeição o papel de fiéis
lacaios do imperialismo ianque. Para eles, nada mais honroso que os
dólares recebidos e os elogios de Nixon ao "milagre brasileiro".
Da noite para o dia, o Brasil se transformou no reino do capital
estrangeiro. Empresas ianques, alemãs, japonesas, inglesas, francesas,
etc. investem no Brasil, pois aqui está garantida a expansão dos seus
lucros. Os generais brasileiros, chibata em punho, protegem o capital
estrangeiro contra os "altos salários", as greves e outros atropelos,
mesmo que isso resulte em mais fome, mais desemprego, mais doenças para
os trabalhadores.
Para ocultar seus crimes contra o povo, os militares montaram a mais
poderosa máquina de propaganda da história brasileira. A cada instante,
ela vomita mentiras e procura explorar cinicamente o amor das massas
pelos esportes e pelas festas. Tudo isso, para impedir que o povo
compreenda a causa real de seus sofrimentos; no entanto, por maior que
seja a propaganda, sabem os generais ser impossível esconder
indefinidamente a verdade. É absurdo tentar convencer um homem a amar
"uma pátria" que lhe mata de fome. Faça o que fizerem os generais,
jamais conseguirão transformar o povo num rebanho de mansos carneiros
dispostos ao sacrifício.
O povo brasileiro, estes milhões de explorados, nunca esteve satisfeito
com sua miséria. Resta-lhe apenas entender claramente quem são os
responsáveis por essa miséria. É aí onde reside o imenso papel da
vanguarda revolucionária. Essa vanguarda é o destacamento organizado,
consciente, da classe operária. Sua missão histórica consiste em
ligar-se às massas oprimidas e dirigi-las para a conquista do poder.
Sem a ação da vanguarda, sem a direção de um Partido Comunista
Revolucionário, a revolta do povo será sempre cega e inconseqüente.
Compreendendo a importância da vanguarda no processo revolucionário, a
ditadura militar, assistida e apoiada pelos patrões ianques, resolveu
aniquilar todos os grupos que atuam como vanguarda. Além das prisões em
massa, os carrascos da ditadura torturam e matam todos aqueles que não
aceitam sua dominação e lutam contra ela. A ordem é esmagar totalmente
as forças revolucionárias, para impedir seu trabalho de esclarecimento
junto ao povo. Nessa tentativa, os militares têm uma arma poderosíssima,
considerada, inclusive, por muitos "revolucionários" como infalível: A
TORTURA, física e psicológica.
Graças à tortura, os militares conseguiram grandes vitórias no seu
intento de aniquilar as forças revolucionárias. Grande parte dos grupos
revolucionários foi profundamente atingida pela repressão, causando o
desbaratamento de suas organizações e gerando profundo ceticismo quanto
às possibilidades de enfrentar vitoriosamente a ditadura. É que uma
parte bastante significativa dos revolucionários presos não conseguiu
comportar-se com firmeza diante dos torturadores, delatando seus
companheiros e abrindo para a polícia os esquemas revolucionários.
Aliada ao liberalismo em questões de segurança, a DELAÇÃO tem sido a
causa principal dos profundos golpes que ameaçam destruir totalmente
grande parte dos grupos revolucionários brasileiros. Por que a delação?
Por dois motivos:
1º - pela falta de maior preparação ideológica dos militantes presos;
2º - pela tese oportunista, bastante difundida em alguns grupos, de que
"existe um ponto máximo, além do qual ninguém pode resistir às
torturas".
Consideramos de importância capital, afastar a delação como regra do
comportamento revolucionário ante as torturas. Caso contrário,
assinaremos o atestado de óbito do movimento revolucionário brasileiro,
desde que a ditadura jamais abandonará as torturas e conseqüentemente o
processo de desbaratamento das forças revolucionárias conduzirá à sua
total destruição e desmoralização.
É inadiável adquirir uma postura correta diante de todas as armas
utilizadas pelo fascismo. Nossa prática tem confirmado que o militante
revolucionário tem obrigação de não delatar, de nada informar aos
carrascos policiais, que possa ajudá-los a golpear a revolução. Para
tanto, é essencial que o militante esteja armado com uma compreensão
científica da revolução, com a convicção de seu papel de instrumento
consciente de um processo inevitável, o que lhe dará a certeza de que a
delação, a traição, é um mal muito maior que a morte. O revolucionário
consciente é capaz de vencer qualquer obstáculo; não há "ponto máximo"
de tortura capaz de quebrar sua dignidade de combatente da mais justa
das causas - a libertação do homem. Marx afirma que a teoria se
transforma em força material quando se apossa das massas. A teoria
revolucionária também se transforma em poderosa força material quando se
apossa do combatente da causa proletária, uma força tão potente que faz
tremer, ante um homem indefeso, as feras do fascismo sedentas de
sangue.
A causa revolucionária gera nos seus militantes uma resistência que
termina apenas com a morte. Devemos e podemos resistir a qualquer
tortura. O movimento revolucionário está cheio de exemplos que comprovam
nossa tese. A opinião oportunista a respeito "do ponto máximo" é um
contrabando ideológico trazido para o seio do movimento revolucionário
pela pequena-burguesia, historicamente vacilante e covarde. Devemos
repeli-la, juntamente com todos os vícios pequeno-burgueses como o
liberalismo, o amoralismo e outros que tanto têm contribuído para o
enfraquecimento da revolução brasileira.
Nossa grande tarefa histórica, no momento, é forjar um Partido
Revolucionário da Classe Operária, um destacamento consciente,
organizado, de vanguarda, capaz de se ligar ao povo e conduzi-lo para a
libertação definitiva. Para cumpri-la, temos de ser "homens de uma
têmpera especial", incapazes de se dobrar diante do látego, sejam quais
forem às circunstâncias, incapazes de delatar, trair. Se assim agirmos,
dentro de algum tempo, a ditadura fascista demonstrará como é frágil sua
estrutura ante o povo organizado, rebelado, decidido a construir de vez
o caminho da felicidade.
Que, sejam quais forem as condições, fique gravado no espírito de cada
um que DELAÇÃO É TRAIÇÃO; que ao homem digno, honesto, nada é mais
terrível que servir ao "lobo com rosto de homem", o capitalismo e seus
lacaios fascistas. Para eles, somente nosso ódio, nossa certeza
inquebrantável no amanhã livre, todas as nossas energias e, se preciso, a
última gota de nosso sangue para que nasça o amanhã.