sábado, 24 de novembro de 2012

Pedro Pomar: A gloriosa bandeira de 1935

Artigo escrito por Pedro Pomar e publicado no jornal A Classe Operária nº102 em novembro de 1935.

Transcorre neste mês de novembro o 40º aniversário da insurreição nacional-libertadora de 1935. As forças populares, em especial os comunistas, orgulham-se de evocá-la como de suas ações mais gloriosas em favor da liberdade, da independência da Pátria.
Ante a ameaça de avassalamento do país pelo fascismo, o partido do proletariado — o Partido Comunista do Brasil — veio audazmente para a cena política com propostas unitárias, com um programa mínimo revolucionário, disposto a travar até o fim a batalha pela salvaguarda dos interesses nacionais, pelos direitos democráticos. Inspirou e organizou a Aliança Nacional Libertadora e promoveu a primeira tentativa da história brasileira de instaurar um governo popular-revolucionário com a finalidade de sacudir o jugo do imperialismo, liquidar com o sistema do latifúndio, garantir um regime de democracia, progresso e cultura para as grandes massas.

Novembro de 1935 projeta-se em nossa vida política como importante divisor de águas. A partir de então, a contenda entre as forças progressistas e as reacionárias, em torno das mesmas questões e tarefas básicas, se aguça, sempre mais. Assustados pelo que consideram o mais terrível dos precedentes, os inimigos do povo — a grande burguesia e os latifundiários, associados ao imperialismo, tendo à frente as Forças Armadas — decidiram impedir por todos os meios que o feito se repita. Vêem o “fantasma do comunismo” em cada manifestação de massas, em qualquer gesto patriótico.

Tentam esconjurá-lo, perseguem-no por toda parte. Em 1964 tiveram de estabelecer uma ditadura militar sangrenta, terrorista, a fim de abafar os anseios populares e arranjar uma pretensa solução para as contradições sociais em agravamento. Mas seu fracasso é rotundo. São alvo de ódio crescente do povo. Isolam-se mais e mais. Ainda que pretendam manter sua tutela indefinidamente sobre o país, sua derrota é inevitável. Ao passo que as forças populares, apesar dos insucessos estão confiantes em suas possibilidades, mais conscientes e maduras. Retomam em melhores condições o caminho da frente-única e da luta armada, o único capaz de dar solução aos problemas da revolução democrática e antiimperialista, os mesmos de 1935.

Os comunistas, ao cumprir o imprescritível dever de homenagear os aliancistas e camaradas que se sacrificaram para conter a ofensiva fascista, ressaltam o significado da iniciativa heróica, procuram extrair as lições da derrota, esforçam-se por empunhar com maior firmeza e acerto a bandeira vermelha da revolução. Hoje ainda mais convencidos de que, por longo e difícil que seja o caminho a trilhar, o futuro pertence ao povo. Ninguém poderá evitar seu triunfo.

A ameaça fascista

Para compreender o significado da insurreição de novembro de 35 impõe-se o exame, mesmo sumário, da situação concreta daquele período após a I Guerra Mundial. Os círculos mais agressivos do imperialismo estavam temerosos do avanço da revolução proletária, socialista, e do movimento libertador dos povos oprimidos. Buscavam salvar-se através dessa modalidade de ditadura terrorista. E vendo acentuar-se a crise geral do capitalismo com a irrupção do craque econômico-financeiro de 1929/32 — o mais profundo que já haviam sofrido — apegaram-se ao recurso dos métodos fascistas de governo.

Desse modo, pretendiam jogar o fardo de suas dificuldades sobre as costas das massas trabalhadoras, intensificar a exploração dos povos atrasados, efetuar nova partilha do mundo por meio da guerra. Em 1933, subiu ao poder na Alemanha o Partido Nacional-Socialista de Adolfo Hitler: a variedade mais reacionária e feroz do fascismo. Utilizando desbragada demagogia, os nazistas imediatamente revelaram seu caráter bárbaro e belicoso. Montaram monstruosas provocações para destroçar as conquistas do tradicional e poderoso movimento operário e democrático alemão; entregaram-se ao extermínio físico implacável de todos os seus adversários, a começar pelos comunistas.

Pari-passu com esse terrorismo, delineava-se a sombria ameaça de outra guerra mundial. O Japão militarista, desde 1931, arrojara-se à conquista da China, na presunção de escravizá-la. Em outubro de 1935, a Itália de Mussolini invadia a Etiópia, e a convertia em sua colônia. A Alemanha de Hitler armava-se febrilmente a fim de rever pela força os tratados de paz do pós-guerra, apoderar-se da Europa e arremeter sobre a União Soviética, então o baluarte da causa da revolução e do socialismo. Urdia-se a intervenção ítalo-alemã na Espanha, onde as correntes republicanas estavam em ascensão. Em toda parte, o nazi-fascismo fomentava a constituição de bandos de assalto e cabeças-de-ponte com o objetivo de efetivar seus planos de hegemonia mundial, sonhada para um milênio.

Os povos, porém, não desejavam submeter-se passivamente a esses planos. Dispunham-se a resistir, a preservar as liberdades democráticas, a independência de seus países. Potentes movimentos de frente-única antifascista e ações armadas se desenvolviam, assentando golpes contundentes nos selvagens inimigos. Nos meses de julho e agosto de 1935, realizou-se o histórico VII Congresso da Internacional Comunista.

À base do relatório de Dimitrov, o Congresso fez uma completa caracterização do fascismo, demonstrou que seu poder era feroz mas precário, que sua ofensiva podia ser detida e derrotada. Todavia, o proletariado devia unir-se urgente e imperativamente, e formar uma frente de todas as forças interessadas na defesa das liberdades, do progresso social e da paz. Também a União Soviética, liderada por Stálin, desmascarava com energia e de modo incansável a política guerreira das potências fascistas, articulava um pacto dos países amantes da paz e preparava-se para qualquer eventualidade.

No Brasil, eram evidentes as repercussões dessa situação. Padecendo dos males crônicos do predomínio do latifúndio arcaico e da dependência ao imperialismo, o país fora grandemente afetado pela crise de 1929-32. Embora tivesse adotado algumas medidas de conteúdo democrático e nacionalista, a chamada revolução de 30 não eliminara a sujeição aos trustes internacionais nem o monopólio da terra.

Na verdade, desde que ascendera ao poder, o governo Vargas, representante da burguesia aliada a setores latifundiários, seguira uma política de adaptação do capitalismo aos velhos interesses criados. Empenhava-se em pagar antigas e novas dívidas contraídas com os banqueiros de Londres e Nova Iorque; aceitava como fatalidade o aviltamento dos preços dos produtos agrícolas de exportação; e com idêntico fatalismo tolerava o comércio desigual do país com as metrópoles imperialistas.

Na medida em que avultavam as aperturas financeiras, Vargas outorgava maiores privilégios aos grupos econômicos estrangeiros e aos latifundiários, agravando as condições de vida e de trabalho das massas. Em 1935, iniciou negociações para subscrever acordos comerciais na base de moedas compensadas com a Alemanha de Hitler e a Itália de Mussolini. Com semelhantes concessões facilitaria a penetração dessas potências no Brasil, onde já vinham financiando ostensivamente a Ação Integralista, de Plínio Salgado.

No terreno político, também a orientação de Vargas sempre fora de compromisso com as velhas oligarquias, tendo em vista isolar e reprimir as forças progressistas. Esse compromisso reforçou-se, mesmo depois da derrota dos grupos reacionários de São Paulo ma guerra civil de 1932. Em conseqüência, a Constituição de 1934 só formalmente inscreveu alguns direitos democráticos. Na prática, as liberdades almejadas pelo povo e tão prometidas pela Revolução de 30 se restringiram. O Partido Comunista continuava perseguido, na clandestinidade. No entanto, os integralistas recebiam franco encorajamento.

Fruto do conluio com Armando de Sales Oliveira, Júlio de Mesquita Filho, Vicente Rau e companhia, em princípios de abril de 1935 foi aprovada pelo Congresso e sancionada por Vargas a primeira Lei de Segurança Nacional, paradigma das que viriam posteriormente. Nessas circunstâncias, a Constituição transformava-se em letra morta e o Parlamento, em apêndice ineficiente. As forças Armadas, após terem sufocado algumas rebeliões de soldados, cabos e sargentos e coarctado atitudes autônomas de certos “tenentes”, retornavam à sua habitual postura antipopular. Muitos oficiais aderiram ao integralismo; e aos postos principais da hierarquia militar eram guindados reacionários ou fascistas notórios: Goes Monteiro, Gaspar Dutra, Newton Cavalcanti, Juarez Távora e outros. Havia divergências no seio das classes dirigentes, mas o sentido da fascistização do poder não podia ser ocultado.

Em decorrência dessa política, generalizava-se o descontentamento entre o povo. Nas cidades, o proletariado e as massas trabalhadoras lutavam em favor de seus interesses vitais, das liberdades públicas, fortaleciam suas organizações de classe, adquiriam maior consciência dos perigos da reação. No interior, os camponeses criavam suas primeiras Ligas, pugnavam por justiça e formavam pequenos grupos de autodefesa para se oporem à prepotência dos latifundiários.

Mesmo entre as camadas da pequena-burguesia, especialmente entre os “tenentes”, que haviam participado do movimento armado de 30, eram visíveis as frustrações diante da degenerescência da “revolução” e dos rumos seguidos pelos governantes. Em suma, a ausência de soluções para os problemas candentes, o império da corrupção, a escalada repressiva das Forças Armadas e da polícia política, a pronunciada ameaça integralista e fascista, inquietavam com razão as forças progressistas, polarizavam sua atenção, estimulavam-na para o encontro de uma saída correta, revolucionária, que satisfizesse os interesses do povo.

A ALN

Nesse ambiente de efervescência, de constante diferenciação entre as forças políticas, de crescente avanço do fascismo, de ansiosa busca de um justo caminho para a defesa da democracia, é que surge a Aliança Nacional Libertadora.

A iniciativa de aglutinar diversos setores sociais e políticos, bem como destacadas personalidades, em defesa do postulados nacionais e democráticos, partiu dos comunistas. Estes, depois de 1930, empenhavam-se seriamente em romper por completo com suas posições sectárias. Formularam uma linha e uma tática que lhes possibilitassem integrar-se na vida política, reforçar suas ligações com as massas. A medida de seus êxitos traduziu-se no aumento de sua influência nos meios operários e sindicais, e entre a intelectualidade.

A idéia da frente-única, discutida desde fins de 1934, ganhava terreno. Apesar dos fortes preconceitos anticomunistas, as propostas unitárias do Partido iam encontrando boa acolhida. A unidade dos antifascistas se impunha. Não havia outro meio de opor-se aos planos tenebrosos de domínio do fascismo e do imperialismo senão mobilizar as grandes massas e constituir uma sólida frente-única, com programa claro e sentido revolucionário. Os argumentos dos democratas sinceros que duvidavam das intenções do Partido ou dos que manifestavam ressentimentos e suspeitas sobre essas intenções esboroavam-se diante dos fatos, bem como da conduta leal, sem ambigüidades, dos comunistas. As tergiversações ou as protelações só favoreciam, como a vida mostrou, os inimigos da nação.

Em fins de março de 1935, a Aliança Nacional Libertadora inicia suas atividades legalmente, de maneira auspiciosa. Exprimindo as sentidas aspirações populares, a novel organização refletia uma esplêndida vitória da unidade. Englobava vários agrupamentos políticos, nomes expressivos no parlamento, na cultura, no “tenentismo”. Seu programa básico consistia de reivindicações concretas, a saber: 1) Suspensão em definitivo do pagamento das dívidas externas, sob o fundamento de que já haviam sido pagas há muito; 2) Nacionalização imediata de todas as empresas imperialistas, “arapucas” para as quais o povo trabalhava sob terrével exploração; 3) Proteção aos pequenos e médios lavradores; entrega da terra dos grandes proprietários aos camponeses e trabalhadores que as cultivavam, visto serem seus únicos e legítimos proprietários; 4 ) Gozo das mais amplas liberdades pelo povo, nele incluídos os estrangeiros que aqui trabalhavam e eram tão explorados quanto os brasileiros; e 5 ) Constituição de um governo popular orientado somente pelos interesses do povo brasileiro. Esse programa simples se expressou no lema: Pão, Terra e Liberdade! No ato da instalação, o nome de Luiz Carlos Prestes foi aclamado para a presidência de honra da Aliança. Ele desfrutava na época de reconhecida popularidade.

Em 1924, como capitão do Exército, promovera um levante de quartel e, a seguir, se tornara um dos chefes da Coluna que, combatendo de armas na mão, atravessara, durante dois anos, os sertões do Brasil. Estava desfraldada, assim, uma grande bandeira revolucionária.

O entusiasmo com que as massas receberam a Aliança e seu programa ultrapassou as expectativas. Em pouco tempo, estruturaram-se núcleos aliancistas na maioria dos Estados. Só na capital da República, Rio de Janeiro, neles inscreveram-se mais de 50 mil membros. Em suas fileiras incorporaram-se principalmente trabalhadores, soldados, marinheiros, cabos e sargentos — as camadas mais pobres das cidades. Caravanas percorriam as diferentes regiões do país, multiplicavam-se os comícios com enorme afluência. Nunca se testemunhara tão poderoso movimento patriótico de massas, tamanho interesse pelo debate dos problemas nacionais. O jornal diário A Manhã, do Rio, tornou-se o porta-voz dos anseios antifascistas. Paralelamente, cresciam as organizações sindicais do proletariado, surgiam centros da intelectualidade em defesa da cultura, associações femininas, entidades juvenis. Sem dúvida, com a criação da Aliança, o movimento popular, democrático, adquiriu vertiginoso impulso. As forças progressistas descortinavam novos horizontes para suas lutas.

O governo Vargas, como depois confessou, vinha acompanhando com apreensão o desenvolvimento impetuoso das atividades da Aliança. Os grupos da oligarquia e do imperialismo, os setores fascistas da reação, desde o surgimento da organização de frente-única, tramavam golpeá-la, liquidá-la.

E não tardaram em fazê-lo. Mal completara três meses de funcionamento legal, em julho, o governo decretou o fechamento da ANL, sob a acusação de que arquitetara “um plano comunista para a tomada dom poder”. Tanto os protestos como as providências jurídicas cabíveis contra o ato de força, ilegal, foram contraproducentes. O nazista Filinto Muller, chefe de polícia de Vargas, desencadeou imediata e drástica perseguição não só aos militantes aliancistas como aos dirigentes de sindicatos independentes e demais organizações democráticas. Sedes foram varejadas; ativistas presos e enquadrados na Lei de Segurança com o “subversivos”, “agentes vermelhos a soldo do estrangeiro”.

Ao mesmo tempo, o governo e a reação continuavam a apoiar por todos os meios os bandos integralistas. Criaram uma polícia especial objetivando espalhar o terror, aumentaram os efetivos da polícia política. Por seu turno o Exército e a Marinha entregavam-se ao expurgo de praças e oficiais suspeitos de antifascismo, aprestavam-se para prevenir qualquer intento do protesto popular.

Entre as classes dominantes, porém, acirravam-se as disputas. Se bem que nenhuma de suas facções aceitasse a Constituição, a vigência dos direitos democráticos, ou sequer se inclinasse a favor do povo, cada qual pretendia assenhorar-se do governo. Havia conspirações de todos os lados perseguindo o propósito de consolidar a reação ou instaurar abertamente o fascismo, para conter a “agitação e preservar a ordem!”. Depondo anos depois sobre essas rivalidades e apetites, Alzira Vargas, filha do então presidente da República, escreveu que se sucederam “episódios deprimentes, ora cômicos, ora dramáticos”. Em novembro de 1935, já lavrava intensa agitação política. Devido aos baixos salários, à carestia de vida e à atuação provocadora dos integralistas, o descontentamento popular atingira grandes proporções. O estado de ânimo dos militares sumariamente dispensados da ativa chegara próximo da rebeldia.

Diante dessa situação, que fazer? Sucumbir sem luta ou enfrentar com coragem a onda repressiva, os manejos da reação e os projetos de fascistização do país?

A insurreição

O Partido Comunista não vacilou: resolveu preparar e desencadear a insurreição armada. Mesmo na ilegalidade, o trabalho de propaganda e arregimentação da Aliança foi incrementado. Para unir o povo na resistência, as bandeiras da luta antiimperialista e antifascista precisavam ser erguidas ainda mais alto. Eram disposições acertadas, oportunas. Mas em novembro, sentindo que os acontecimentos se precipitavam, contando com a influência da ALN entre praças e oficiais das Forças Armadas e julgando que o nome de Prestes galvanizaria o Exército, a direção do Partido apressou o desfecho da ação armada e lançou a palavra de ordem de Governo Nacional Popular Revolucionário, com Prestes à frente.

Embora a reação estivesse alertada e atuasse no sentido de provocar o aborto da insurreição, a 23 de novembro irrompeu em Natal, Rio Grande Norte, a sublevação dos soldados, cabos e sargentos do 21º BC, ali aquartelado. Diversos setores da classe operária e do povo, que já vinham realizando greves e manifestações reivindicatórias e antiimperialistas, juntaram-se imediatamente aos rebelados. Após ásperos combates, foi vencida a resistência da Polícia Militar, que se conservava ao lado da reação. Os revoltosos aprisionaram os agentes do governo que não conseguiram fugir. Instaurou-se naquele dia o primeiro governo popular revolucionário da história do país. Um novo jornal, A Liberdade, editado após a vitória, anunciava o fato memorável: “Enfim, pelo esforço invencível dos oprimidos de ontem, pela colaboração decidida e unânime do povo, legitimamente representado, inaugura-se no Brasil a era da liberdade, sonhada por tantos mártires…”.

Concitava os patriotas à luta por “Todo poder à ALN”. Compunham o novo governo: o sapateiro José Praxedes, encarregado do aprovisionamento; o sargento Quintino Clementino de Barros, da defesa; o funcionário público Lauro Cortes do Lago, do interior; o estudante João Galvão, da Viação; e o funcionário dos Correios e Telégrafos José Macedo, das Finanças. As medidas iniciais adotadas pelo governo revolucionário destinaram-se a baratear os preços dos gêneros alimentícios e das tarifas dos transportes, a moralizar a administração pública, a mobilizar forças para o prosseguimento da luta armada.

As massas populares exultaram com o triunfo, confraternizaram com os insurretos, deram-lhes completo apoio. Percebiam que se instalara um governo como jamais haviam tido, genuinamente seu, voltado para seus interesses, imediatos ou permanentes. Rapidamente o movimento se estendeu às cidades de Ceará-Mirim. S. José de Mibipu, Canguaretama, Santa Cruz e outras. Pensava-se levá-lo a todo interior do Estado e a Pernambuco, cujas tradições revolucionárias permaneciam vivas.

Com efeito, nesse Estado, pela manhã de 24 de novembro, obedecendo aos mesmos motivos, sublevara-se o 29º BC, aquartelado em Vila Socorro, próxima a Recife. Mas o levante foi apenas parcial. Não obstante, resultara do vigoroso movimento operário e popular em desenvolvimento, estava em ligação com a combativa greve dos ferroviários da Great Western. De sobreaviso, as tropas da reação ofereceram pronta e tenaz resistência. As massas que simpatizavam com o movimento da sublevação do quartel, não tiveram tempo de tomar armas. Foi o governo reacionário que conseguiu enviar reforços para seus partidários. E os insurretos, embora portando-se com extrema bravura em todo o decurso da luta, ficaram isolados, sem munição. Tiveram de render-se.

Ao saber desses acontecimentos, a direção nacional do Partido julgou de seu indeclinável dever prestar solidariedade aos revolucionários do Nordeste, fortalecer a luta que se iniciara. Decidiu de imediato lançar ao combate as forças sob sua influência no Rio de Janeiro e em outros Estados. Nessa altura, o Estado-Maior das tropas reacionárias, em rigorosa prontidão, estava sabedor de que a insurreição se desencadearia em algumas guarnições acantonadas na capital do país. Prenunciava-se, portanto, uma peleja duríssima. Ainda assim, na madrugada de 27 de novembro, efetivou-se o levantamento de numerosos contingentes de soldados e oficiais do 3º Regimento de Infantaria e do Regimento Escola de Aviação, duas das mais importantes unidades militares do Rio.

Os núcleos aliancistas e as células comunistas nessas unidades executaram sem vacilações, com intrepidez, as diretivas do Partido e da ANL. Os combates, como se previa, foram violentíssimos. A reação concentrou rapidamente efetivos vários vezes superiores a fim de cercar e atacar os regimentos sublevados, O 3º RI, onde a refrega assumiu maiores proporções, ficou reduzido a escombros pelo bombardeio da artilharia e da aviação governistas. Após quase dez horas ininterruptas de luta, durante as quais procuraram romper valentemente o cerco inimigo, e sem receber o esperado apoio de outras unidades, os sublevados capitularam.

Nesse mesmo dia 27, o movimento insurrecional do Rio Grande do Norte também cessou praticamente, ante o ataque de forças imensamente superiores, que convergiram de vários pontos sobre Natal e as outras cidades rebeladas. Alguns grupos guerrilheiros que ainda subsistiram no interior do Estado, sem experiência e sem confiança neste formidável método de luta, acabaram entregando-se ou dispersando-se.

Desse modo, após quatro dias, durante os quais despertaram a esperança e o entusiasmo das grandes massas exploradas e oprimidas, travaram batalhas heróicas e perderam vidas de companheiros queridos, os combatentes antifascistas, com os comunistas à frente, foram batidos, temporariamente postos fora de ação.

Sobre os revolucionários derrotados recaiu instantâneo, pesado, cruel, o castigo dos cruzados da ordem. Fuzilaram sumariamente vários soldados prisioneiros. Os que sobreviveram foram recolhidos a presídios, ilhas, navios, etc. Eram milhares. Vargas reclamou e obteve do Congresso o estado de sítio para todo o país. A execução das medidas repressivas ficou a cargo dos generais fascistas e do carrasco Filinto Muller.

Em seguida, levantaram um coro de calúnias com o propósito de difamar a conduta dos revolucionários; difundiram que haviam assassinado oficiais a sangue-frio, violentado moças, etc. A verdade, no entanto, segundo testemunhas insuspeitas, é que os revolucionários agiram com grande generosidade, jamais desrespeitando os prisioneiros. As classes dominantes não fizeram segredo de que consideram o pior crime das massas trabalhadoras, a tentativa de pegar em armas para livrar-se da opressão. Seus agentes emulam em covardia, ferocidade e farisaísmo com o intuito de escarmentar os que a isso se atrevem. Fazer uso das armas, subverter a Constituição, assassinar impunemente os adversários, é privilégio seu. Os pobres são proibidos de sublevar-se.

Refutando injúrias e falsidades

Nestes 40 anos, a reação dedicou-se a injuriar o movimento insurrecional de 1935, no afã de apaga-lo da memória dos patriotas. Nesse sentido, procede de modo ainda mais torpe que os colonialistas portugueses com o exemplo de Tiradentes. Além do terror fascista, propaga mentiras deslavadas, deturpa os mais triviais. Os generais distinguem-se particularmente nessa campanha. Com sua proverbial coragem de torturar e matar prisioneiros inermes e dizer tolices, cumprem anualmente seu ritual comemorativo de novembro de 1935, cobrindo os lutadores antifascistas de maldições, proferindo novas ameaças, tentando intimida-los para que não voltem a palmilhar o mesmo inelutável caminho.

Nos insultos dos generais as forças populares encontram as melhores justificativas aos objetivos dos que tombaram, os maiores elogios ao seu heroísmo e aos seus sacrifícios.

Também os chamados liberais, os conciliadores e reformistas têm-se empenhado em denegrir ou menosprezar o movimento de 35, classificando-o de aventura, de putsch, de responsável pelo advento do Estado Novo fascista. São os eternos críticos, com o perdão da palavra, dos “radicais de esquerda”, por eles acusados de obstruir , com suas atitudes, a marcha “natural” das coisas, om passo lento e gradual das reformas pacíficas destinadas a criar uma sociedade aberta, a institucionalizar a democracia no país.

São totalmente falsas as acusações desses impenitentes partidários da distensão a qualquer preço. Os comunistas sempre condenaram as aventuras e os putsch, nunca se opuseram às reformas. Tampouco inventaram as contradições oriundas do capitalismo. Como revolucionários, e verificando o recrudescimento extremo dessas contradições na época do imperialismo, convenceram-se de que os povos somente podem conquistar a democracia, a independência nacional e o socialismo através da luta revolucionária das massas. À velha argüição dos reformistas burgueses de que as reformas só virão se os revolucionários renunciarem à revolução, o grande Lênin respondeu da seguinte maneira: “Ou bem a luta revolucionária de classes, cujo produto secundário sempre costuma ser as reformas (em caso de êxito incompleto de revolução), ou bem nada de reformas”. (Os grifos são de Lênin).

A análise da realidade brasileira comprova o acerto dessa tese leninista. A insurreição de 35 não ocasionou a implantação direta do Estado Novo nem o agravamento das contradições internas. Com a derrotadas forças aliancistas, é lógico, os reacionários tiveram campo livre para levar adiante seus planos, já que em momento algum os conciliadores se antepuseram Pa consumação dos mesmos.

Persuadimo-nos, ademais, que se não tivesse ocorrido a luta armada de 35, o Estado Novo sobreviria com feições mais abertamente fascistas, isto é, teria o respaldo de um partido, como o Integralista, com algum apoio político, não desmascarado de todo. O próprio Vargas, até hoje apresentado como um contrapeso à ditadura dos militares de então, com o golpe, poderia ser afastado do poder. Possivelmente também não se teria constituído a base política que facilitou a participação do Brasil na guerra contra o fascismo (precisamente na maior de todas as guerras, senhores pacifistas e reformistas!), participando reconhecidamente a contragosto dos Dutra, Goes Monteiro et caterva e por eles sabotada. É bom recordar ainda o julgamento das massas sobre a luta de 35. Quando o Partido Comunista do Brasil veio para a legalidade, em 1945, foi transformado, graças ao apoio popular, num dos mais importantes agrupamentos políticos do país.

Além de se recusarem a computar ou avaliar esses resultados de novembro de 35, os conciliadores burgueses sofrem de terrível amnésia quando se trata de interpretar e questionar a responsabilidade da reação, em particular das Forças Armadas, nos acontecimentos subseqüentes, acontecimentos que demonstram qual a tendência real das classes dominantes. De 1936 para 1937, a ameaça “comunista” parecia de tal modo inexistente que o ministro da Justiça ordenou a soltura dos presos aliancistas, com exclusão dos mais implicados, dos chefes.

A própria direção do Partido Comunista do Brasil, embora exaltasse em palavras a façanha de 35, ia abandonando os objetivos revolucionário se adotando posições nacional-reformistas, Em obediência ao estipulado na Constituição, iniciara-se a campanha para a eleição direita à sucessão presidencial. Os principais candidatos, Armando de Sales Oliveira e José Américo, ex-aliados e amigos de Vargas, e as forças que os sustinham. Distanciavam-se tanto da subversão como o céu da terra. Bastou porém que as correntes populares começassem a dar sinal de vida , a se organizar em torno de plataformas democráticas e a engrossar os comícios políticos apresentando palavras de ordem independentes, para que todo o panorama repentinamente voltasse a ficar sombrio. Visto como as Forças Armadas não encontrassem pretextos plausíveis, resolveram arranjar no arsenal nazi-integralista o monstruoso Plano Cohen, de autoria publicamente confessada de elementos do Exército.

Com base nesse plano provocativo, as Forças Armadas impuseram, e Getúlio referendou, o estado de guerra com a finalidade de julgar a “comoção interna”. A seguir, interromperam violentamente a campanha eleitoral, dissolveram o Congresso, prenderam em massa os adversários e decretaram o Estado Novo, com uma Constituição calcada em modelos fascistas. Tencionavam ir bem longe, quem sabe?, institucionalizar também por um milênio o reino da nação. Tanto assim que, em pleno apogeu das vitórias de Hitler, em 1940, Getúlio saudava a nova era fascista, com o país forçosamente atrelado ao carro dos vencedores…

Mas o que sobreveio foi a derrota política e militar, fragorosa, das potências fascistas, graças exatamente à coligação das nações antifascistas, na qual a União Soviética, de Stálin, jogou papel decisivo. As aspirações democráticas, emancipadoras das massas, ressurgiram com maior força. Diante disso, os mesmos generais que haviam instituído o Estado Novo, trataram de manobrar para, logo depois, invocar os pretextos de sempre e atentar contra os interesses do povo e do país.

A história de ontem está diante de nossos olhos. O golpe de 1964 e a implantação da ditadura militar-fascista, se bem que perdure há onze anos, não deixa de dúvidas sobre o sentido da política das forças contra-revolucionárias anteriores, essas forças e seus representantes antediluviano não escondiam seus objetivos fascistas. Em abril de 1964, os Mourão Filho, Filinto Muller, Médici, Geisel, os Plínio Salgado, Francisco Campos, Júlio de Mesquita Filho e demais gorilas e mastodontes reacionários aparecem como “autênticos revolucionários e democratas”. Quer dizer, ao lado da tragédia, a farsa. Mas nem assim os conciliadores tiram as devidas conclusões. Ao contrário, tornam-se mais confusos e desmoralizados.

Apreciação crítica

Inegavelmente os comunistas cometeram erros que contribuíram também para a derrota da insurreição nacional-libertadora de 1935. Revelá-los de modo absoluto, é uma questão de princípio. Dessa forma, demonstram a seriedade de sua conduta política, a disposição de elevar-se à altura da missão que se propuseram. A apreciação crítica e autocrítica do movimento de 35 tardou, indiscutivelmente por debilidade ideológica e política, porque, no período pós- insurreição, até 1962, predominaram na direção do Partido Comunista do Brasil elementos influenciados pela burguesia e pela pequena-burguesia. Eles escamoteavam o problema crucial da luta armada ou lhe faziam oposição , aberta ou veladamente. Desejosos de acomodar-se ao desenvolvimento do capitalismo, de contemporizar, acabaram traindo os interesses do proletariado e das massas trabalhadoras.

Agildo Barata, a princípio, e depois Prestes, com seus partidários, tornaram-se de fato renegados da revolução. Prestes transformou-se num revisonista. Embora ainda se apresente como comunista, na realidade, trabalha para colocar o proletariado a reboque da burguesia e o povo brasileiro como caudatário do social-imperialismo soviético. Espera, hoje, que a democracia possa vir do apoio de alas ditas liberais das Forças Armadas, das classes dominantes ou de ações pseudo-libertadoras das Forças Armadas soviéticas. Aliás, nunca compreendeu a fundo que a luta revolucionária, verdadeira, consiste em fazer com que os operários e camponeses possuam armas e um exército próprio, popular, libertador.

Só quando romperam em todos os terreno9s com os revisionistas chefiados por Prestes, os comunistas enveredaram pelo exame crítico corajoso de todas as posições anteriormente adotadas. Num balanço geral, verificaram que o período de 35 foi um dos mais ricos da vida política do país e do Partido. As lições que dele emanam podem ser de grande valor, se avaliadas corretamente, à luz do marxismo-leninismo. Além de conservarem imensa atualidade.

Em 1935, as massas haviam dado um salto em sua consciência sobre a necessidade da revolução, ao perceberem que esta deve ser obra delas próprias, de sua iniciativa, de sua unidade, de seus sacrifícios, de suas ações combativas, de uma orientação justa. Ao tomar parte no movimento armado de 1930, o fizeram sob a iniciativa e em proveito de minorias, das cúpulas, dos agentes dos latifundiários, da burguesia nacional e de alguns setores da pequena-burguesia radical. Interpretando corretamente esse amadurecimento da consciência das massas, para o qual ele havia contribuído decisivamente, nosso Partido elaborou uma linha política que correspondia no fundamental ao curso do processo objetivo, harmonizando-se com os supremos interesses da revolução.

A Aliança Nacional Libertadora representou um empreendimento ousado e de vasto alcance político, oferecendo ao povo brasileiro um instrumento de ação unida com reais condições de vitória em sua luta mais que secular pela liberdade e pela independência nacional. A frente-única estabelecida com a Aliança impulsionou o movimento popular, democrático, antiimperialista, elevou a níveis nunca atingidos a organização e a consciência política das massas. Nosso Partido projetou-se nacionalmente como o mais fiel defensor dos interesses dom povo, o mais ativo organizador da unidade contra o imperialismo e o fascismo. Nas duras provas e gloriosos combates que advieram, apareceu aos olhos de toda a nação como um destemeroso destacamento de vanguarda do proletariado revolucionário, disposto a dirigi-lo em quaisquer circunstâncias. Merecidamente, o prestígio e a influência do nosso Partido se consolidaram.

Não obstante, a política do Partido e seu trabalho de frente-única padeceram de sérias debilidades. Ao fazer esforços para expandir a Aliança entre as massas urbanas, não soube estendê-la ao campo. A mobilização dos camponeses continuava subestimada. Nesse período, no entanto, o inolvidável Harry Berger insistiria na importância da atividade entre as massas rurais. Berger, dirigente comunista alemão que a Internacional Comunista incumbira de ajudar a luta dos trabalhadores brasileiros, assim que chegou ao Brasil passou a estudar pessoalmente a experiência do surgimento das Ligas Camponesas e de guerrilhas na região do Baixo São Francisco, em Alagoas.

Argumentava que enquanto os comunistas não se ligassem às massas camponesas e conquistassem seus apoio, seria impossível obter a vitória bem como a direção do movimento revolucionário pelo proletariado. Aliás, não era outra a orientação da III Internacional Dimitrov, em seu informe ao VII Congresso, esclarecendo o sentido concreto que devia ter a frente-única nos países submetidos ao imperialismo, e particularizando nosso país, dizia: “No Brasil, o Partido Comunista, que construiu uma base correta para o desenvolvimento da frente-única com a fundação da Aliança Nacional Liberrtadora, deve fazer o máximo de esforços para estender ainda mais esta frente e atrair, antes e acima de tudo, as massas de milhões de camponeses com o propósito de orienta-las na formação de unidades do exército popular revolucionário devotado até o fim ao estabelecimento do poder da Aliança Nacional Libertadora”.

Entretanto, nosso Partido não deu a devida atenção a estas preciosas indicações. E assim permaneceu por longo tempo. Quando, porém, teve de fazer face ao golpe contra-revolucionário de 1964, compreendendo melhor o conteúdo da revolução e colocando-a em termos práticos, foi que o Partido passou a concentrar-se no problema camponês e a basear sua concepção de luta armada, tomando o campo como ponto de apoio fundamental.

Em outros aspectos, do trabalho de frente-única, o Partido conduziu-se de modo estreito, sectário. Por exemplo, o lançamento da palavra de ordem de Governo Nacional Popular Revolucionário, com Prestes à frente, não contribuiu para a ampliação do movimento, Deixava transparecer, ao contrário, que os comunistas queriam absorvê-lo. Também foram menosprezadas as possibilidades de ampliar a frente-única incorporando diversos grupos descontentes com a política de Vargas. Enfim, por causa da perspectiva imediatista e da incapacidade de aproveitar as dissensões que se acentuavam entre as classes dominantes, o movimento aliancista não se estendeu como devia.

Contudo, onde mais fortemente se manifestou o radicalismo pequeno-burguês foi na concepção e no método da luta armada. Isto não quer dizer que se deva considerar a insurreição de 35 como um putsch. De forma alguma. É certo que se deu precipitadamente; mas não como um golpe de cúpula, nem teve natureza exclusivamente militar; surgiu no quadro de um movimento de massas, amplo, democrático, antiimperialista. O Partido, porém, confiava numa vitória fácil, não levando em conta a realidade, a correlação de forças desfavorável e a própria época imperialista. Pelo menos, desconhecia que já em 1902, quando era marxista, Kautsky dissera que, na época imperialista emergente, “a futura revolução (…) se assemelhará menos a uma insurreição de surpresa contra o governo do que a uma guerra civil prolongada”. Lênin em janeiro de 1917, endossou firmemente essa opinião.

O Partido, imbuído de concepções “tenentistas” e fiando-se principalmente no apoio dos quartéis, subestimou a conquista das massas para a insurreição. Mas baseando-se estritamente nos levantes de quartel, o movimento revolucionário não pôde triunfar. A afirmativa de que esse método de luta é de “sabor tipicamente comunista”, constitui uma sandice. Na realidade, tem sido um procedimento burguês e pequeno-burguês. Leva as massas à passividade, não reconhece a necessidade de sua participação ativa na luta, feita quase sempre à sua revelia. No entanto, os levantes de quartel, como expressão do poderoso ascenso do movimento de massas, da insurreição popular, proletária, contribuem para a desagregação das tropas inimigas, para a organização do exército revolucionário.

A importância extraordinária da insurreição de 35 reside no faro de que pela primeira vez situou em forma concreta, em termos práticos, para os militantes comunistas e as forças populares, a atarefa da preparação e do desencadeamento da luta armada. Por isso, nosso Partido, procurando generalizar essa magnífica experiência e outras já vividas nesse terreno pelo povo brasileiro, e à luz dos ensinamentos do marxismo-leninismo, concluiu que o método provado para alcançar o triunfo pé o da guerra popular, da guerra revolucionária das massas. Com base nessa concepção, o Partido orienta seu esforço, preparando-se para a luta armada. Só assim, estará em condições de realizar, junto com as massas e na devida oportunidade, ações de envergadura, capazes de vencer a violência das forças contra-revolucionárias.

Passaram-se quatro décadas da gloriosa insurreição de 1935. Embora não seja. Do ponto de vista da história universal, um período congo, está cheio de acontecimentos de enorme alcance. No mundo e em nosso país ocorreram consideráveis modificações. Posto que a insurreição nacional-libertadora não tivesse enterrado no Brasil da reação e do imperialismo, abalou-o profundamente. Marcou uma etapa relevante.

Nela foram postulados pela primeira vez e de maneira nova os problemas essenciais da revolução brasileira, na fase atual, melhor caracterizadas suas forças motrizes e seus inimigos fundamentais, indicando o caminho da frente-única e o da luta armada, bem como revelada a fisionomia de seu verdadeiro dirigente, o proletariado revolucionário, guiado pelo Partido Comunista do Brasil. Nos embates encarniçados de 35, as forças populares compreenderam ainda que só a luta revolucionária educa as massas, forja seu ânimo combativo, abre-lhes maior visão da realidade e indica-lhe a medida de suas próprias forças.

Faz onze anos que a ditadura militar-fascista procura esmagar a resistência popular, varrer o fantasma da revolução democrática, antiimperialista, que ela acusas de comunista. Mas, ao contrário do que pretendem os generais, a revolução amadurece. Cresce na consciência dos patriotas e dos democratas a convicção de que as questões determinantes do movimento de 1935 precisam ser resolvidas. Sob o regime dos generais, o país tornou-se mais dependente, mais endividado, mais aviltado que em qualquer época de sua vida nacional.

Seu povo está mais pobre e oprimido. Impõe-se, portanto, fazer a revolução, através da ação unida das massas e de amplas forças políticas, e recorrendo ao caminho da guerra popular. Esta verdade vai-se apoderando da mente e dos corações da maioria da nação, como ficou evidente nas combativas manifestações de 1968 e em outras ocasiões. Apesar do repúdio maciço do povo, do que foi testemunho o pleito eleitoral de 1974, os generais se obstinam em permanecer no poder, despoticamente. Não têm condições nem, querem satisfazer os reclamos de anistia, de abolição dos atos institucionais e das leis d exceção.

Por isso respondem com a escalada repressiva, prendendo torturando e matando patriotas e democratas. Nestas circunstâncias, o exemplo da resistência corajosa dos lavradores e dos patriotas do Araguaia deve ser secundado. Eles formaram os primeiros destacamentos guerrilheiros no campo e revivem, em nível mais alto, desde 1972, a tradição revolucionária de 1935. Deles também partiram apelos para a união de todas as forças interessadas na luta pela derrubada da ditadura militar e pela conquista da liberdade. A batalha será dura e prolongada, mas é a única que assegurará a vitória.

Nosso Partido, o heróico partido do proletariado, inclina suas bandeiras de combate em homenagem aos que não trepidaram, em 1935, em oferecer suas vidas e derramar seu sangue para criar um Brasil independente e democrático. Fiéis à sua memória, juramos que haveremos de prosseguir na ingente marcha que encetaram. Nosso dever é aprender a lutar melhor e perseverar.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

RESPOSTA A KRUSCHEV

Resposta a Kruschev

Partido Comunista do Brasil

27 de Julho de 1963

Publicado no jornal A Classe Operária em Agosto de 1963



O Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética, em Carta Aberta publicada no Pravda de 14 de julho, procurando responder aos argumentos apresentados pelo Comitê Central do Partido Comunista da China, na carta de 14 de junho, acusa os camaradas chineses de organizar e apoiar diversos grupos antipartidários que “atuam contra os partidos comunistas dos Estados Unidos, Brasil, Itália, Bélgica, Austrália e Índia”. São nominalmente citados membros da direção do PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL.
A acusação dos dirigentes comunistas soviéticos é simplesmente absurda, destituída de qualquer fundamento e contrária aos interesses do movimento revolucionário.
Em que se apóia o Comitê Central do PCUS para fazer tal acusação? A direção desse partido conhece muito bem os acontecimentos ocorridos no movimento comunista em nosso país a partir de 1956, e que culminaram com o surgimento de dois partidos: o PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL e o Partido Comunista Brasileiro.

Ataques injustificados do Comitê Central do PCUS

Face a tal situação que poderiam fazer os verdadeiros revolucionários? Não lhes restava outro caminho senão reorganizar o PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL. Em fevereiro de 1962, reuniram-se em Conferência Nacional Extraordinária, realizada em São Paulo, para discutir a situação criada e decidir sobre os rumos a tomar. Dessa conferência participaram delegados de vários estados. Ela decidiu reconstruir o Partido, aprovou um programa marxista-leninista, resolveu editar o tradicional órgão de imprensa partidária e elegeu um novo Comitê Central. Permaneceram no PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL oito membros do antigo Comitê Central, diversos líderes sindicais e juvenis e um bom número de militantes com mais de vinte anos de atividade partidária ininterruptos. Entre seus dirigentes há camaradas que passaram muitos anos nos cárceres da reação.
Em um ano e meio de trabalho, o Partido passou de centenas de membros para alguns milhares, estruturou-se em todo o país e aumentou sua influência entre as massas. Elevou sua atividade política e cresceu de modo significativo a difusão de sua imprensa.
Como pode, então, o Comitê Central do PCUS, dirigido por Kruschev, dizer que o PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL é um grupo antipartidário? Como pode inculpar de divisionismo a legítima vanguarda da classe operária brasileira, a organização que se mantém fiel aos princípios do marxismo-leninismo e do internacionalismo proletário? Quais os atos contrários aos interesses da revolução e do povo brasileiro cometidos pelo PC do Brasil que justifiquem as investidas de Kruschev e do Comitê Central do PCUS?
Somente se pode compreender os ataques do Comitê Central do PCUS como um esforço para alentar a combalida corrente reformista chefiada por Prestes, que levou o movimento comunista brasileiro à divisão, e para apresentar os camaradas chineses como responsáveis pelas cisões que se verificam nos partidos comunistas.
Para os revolucionários brasileiros é verdadeiramente chocante que tais ataques procedam justamente de homens que estão à frente do Partido fundado por Lênin e que, no curso de sua história, combateu implacavelmente os oportunistas e apoiou com decisão, em todas as circunstâncias, os revolucionários. Educados como comunistas no exemplo do Partido Bolchevique, sempre vimos na União Soviética uma base poderosa do movimento revolucionário mundial. Por isso não podemos aceitar a conduta daqueles que, na direção do maior país socialista, renegam as gloriosas tradições do bolchevismo e apóiam abertamente os revisionistas em todas as partes do mundo. Quaisquer que sejam as injúrias, as distorções da verdade, dos atuais dirigentes do PCUS, proclamamos, nesta oportunidade, nossa admiração e reconhecimento aos povos da União Soviética que realizaram a Grande Revolução de Outubro, edificaram o socialismo numa sexta parte do globo e derrotaram o nazifascismo na mais cruenta das guerras. Nada nos afastará dos princípios do internacionalismo proletário, do marxismo-leninismo e da luta revolucionária.
Ao apoiar e incentivar a corrente reformista de Prestes, Kruschev e o Comitê Central do PCUS colocaram-se objetivamente contra o movimento revolucionário em nosso país.

Falência da linha oportunista

A prática tem demonstrado o quanto se desacreditou aos olhos das grandes massas e das correntes democráticas o Partido Comunista Brasileiro ao seguir uma orientação política oportunista.
Nos últimos anos da administração do senhor Juscelino Kubitschek, a posição de Prestes e seus seguidores objetivava substituir no governo os ministros reacionários por outros que eles apontavam como nacionalistas. Com essa política apoiaram concretamente o senhor Kubitschek, um dos maiores entreguistas da história da República.
Nas eleições de 1960 foram fervorosos partidários da candidatura do Marechal Lott, que apresentavam como a mais elevada expressão do nacionalismo. Lott, no entanto, revelou-se de corpo inteiro como reacionário que combatia a reforma agrária, a revolução Cubana, as medidas contra a espoliação imperialista, o reatamento de relações com a União Soviética e a legalidade do Partido Comunista.
Saudaram em 1961 a posse de Goulart como uma vitória do povo; reclamaram plenos poderes aos gabinetes indicados por Jango; declararam que Goulart contava com poderoso apoio popular e com um dispositivo militar que lhe permitiam tomar sem receio as medidas exigidas pelo povo. Mas Goulart demonstra, dia a dia, ser o chefe de um governo entreguista e incapaz de resolver os problemas fundamentais da Nação.
Disseram que as eleições parlamentares de outubro de 1962 poderiam modificar profundamente a correlação de forças no Congresso Nacional e abrir caminho para as transformações básicas na estruturação do país. O resultado do pleito evidenciou que o Congresso saído daquelas eleições é um dos mais reacionários que o país já teve.
Conclamaram o proletariado à greve geral para exigir que o senhor San Tiago Dantas fosse designado Primeiro-Ministro de um hipotético gabinete nacionalista e democrático. A vida provou que o senhor San Tiago Dantas não passa de um agente do imperialismo norte-americano, o intermediário na negociata das subsidiárias da Bond and Share.
Convocaram o povo para votar NÃO no plebiscito de 6 de janeiro, proclamando que desta maneira os eleitores estariam criando condições para realizar a reforma agrária, acabar com a carestia e a inflação e pôr em prática medidas contra o imperialismo. Depois do plebiscito, Goulart, já no sistema presidencialista, prosseguiu em sua antiga política: a carestia tornou-se mais acentuada, a reforma agrária não se efetivou e novas concessões foram feitas aos monopolistas ianques.
Mudaram o nome do partido e mutilaram seus princípios para conseguir seu registro na Justiça Eleitoral. Passado mais de um ano nem mesmo esse novo partido reformista obteve existência legal.
Esses fatos, além de muitos outros, comprovam plenamente a falência da orientação seguida pelo Partido Comunista Brasileiro.

Partido da revolução e partido das reformas

Como é possível ao Comitê Central do PCUS considerar tal partido a organização dirigente da classe operária, e, ao mesmo tempo, acoimar de grupo antipartidário o Partido que expressa realmente os interesses do proletariado?
O PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL luta pela derrubada do atual regime de latifundiários e grandes capitalistas e pela instauração de um regime efetivamente popular, único capaz de realizar as transformações indispensáveis ao progresso do país, ao bem-estar do povo e à obtenção da completa independência nacional. O Partido Comunista Brasileiro não combate o regime vigente, mas apenas propugna transformações parciais na estrutura do país, nos marcos desse mesmo regime, sob o pretexto de que elas abrirão caminho para mudanças radicais.
O PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL luta por um governo popular revolucionário que represente as classes e camadas progressistas da sociedade brasileira e que substitua o poder dos latifundiários e grandes capitalistas. O Partido Comunista Brasileiro tem como objetivo a conquista de um chamado governo nacionalista e democrático que seria alcançado com o afastamento do governo dos ministros entreguistas e a designação de outros considerados nacionalistas e democratas.
O PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL luta irreconciliavelmente contra o governo de latifundiários e grandes capitalistas, desmascara suas manobras, não inculca ilusões nas massas a respeito do caráter do governo de Goulart. O Partido Comunista Brasileiro estabelece como tarefa do povo lutar simplesmente contra a política de conciliação com o imperialismo e o latifúndio realizada pelo atual governo a fim de conseguir que este se torne um governo nacionalista e democrático.
O PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL, com o propósito de realizar a revolução nacional-libertadora, democrática e popular, empenha-se na formação de uma frente única de todas as forças revolucionárias da sociedade brasileira, tendo como núcleo fundamental os operários e os camponeses. O Partido Comunista Brasileiro, visando unicamente à conquista de reformas parciais, esforça-se para formar a denominada frente única nacionalista e democrática que inclui toda a burguesia e mesmo setores de latifundiários.
O PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL julga que, na presente situação, as classes dominantes tornam inviável o caminho pacífico da revolução e, por isso, o povo, sem deixar de utilizar todas as formas de luta legais, deve se preparar para a solução não pacífica. O Partido Comunista Brasileiro, sem qualquer apoio na realidade nacional, engana o povo afirmando que a revolução antiimperialista e antifeudal pode ser conduzida a seus objetivos por um caminho pacífico.
O PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL apresenta um programa revolucionário, proclama seus fins socialistas, afirma abertamente sua adesão aos princípios do marxismo-leninismo e do internacionalismo proletário, não esconde seu nome nem sua natureza de classe. O Partido Comunista Brasileiro renega o velho Partido, renuncia ao programa revolucionário, oculta seu nome, deixando, em realidade, de ser o Partido do proletariado.
Enfim, o PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL é o Partido da revolução. O Partido Comunista Brasileiro é o partido das reformas. O PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL luta para assegurar a hegemonia do proletariado na revolução. O Partido Comunista Brasileiro marcha a reboque das classes dominantes, ajudando a burguesia a enganar as massas trabalhadoras.
Não é difícil, assim, distinguir no Brasil a corrente que trilha o caminho revolucionário da corrente que se orienta por uma linha revisionista. Uma defende uma orientação marxista-leninista, enquanto a outra adota uma orientação caracterizadamente de direita.

Causas da cisão no movimento comunista brasileiro

A acusação dos dirigentes soviéticos de que os camaradas do Partido Comunista da China fomentaram a divisão no movimento comunista brasileiro não passa de afirmativa totalmente divorciada da verdade, de uma simples calúnia. Os fatos demonstraram sobejamente que a cisão teve como causas principais fatores de ordem interna. Foi provocada essencialmente pela penetração das idéias burguesas no Partido, que adquiriram força com o avanço do capitalismo no país e com a tática de engodo utilizada pela burguesia. Contribuiu também a intolerância dos dirigentes reformistas chefiados por Prestes que aplicaram métodos os mais condenáveis na condução da luta ideológica. Não se pode negar, igualmente, a existência de influências externas. A de maior repercussão foi a do 20º Congresso que, aprovando teses bastante discutíveis e lançando a confusão a respeito do culto à personalidade, estimulou os oportunistas de todos os matizes e aqueles que combatiam a existência de um partido independente da classe operária, autenticamente revolucionário. Simultaneamente, o imperialismo desencadeou intensa ofensiva ideológica que atingiu as fileiras do Partido.
Ao apontar os camaradas chineses como responsáveis pela divisão do movimento comunista no Brasil, os dirigentes do PCUS revelam seu desprezo pela capacidade e espírito de luta dos trabalhadores brasileiros. Imbuídos de sentimentos de superioridade, não concebem que, diante da traição dos oportunistas, inevitavelmente surgiriam, em nosso país, os elementos dispostos a erguer a bandeira revolucionária, a forjar o Partido do proletariado e a prosseguir na luta sem quartel contra o imperialismo e o latifúndio e a pugnar até o fim pela vitória do socialismo no Brasil. Quando se iniciou a discussão no Comitê Central do PC do Brasil, os camaradas que posteriormente procuraram reorganizar o Partido não conheciam as divergências no movimento comunista mundial. Mais tarde, ao se inteirar da existência de questões controvertidas, ignoravam sua real profundidade. Somente com a publicação de uma série de artigos no Diário do Povo e na Bandeira Vermelha, de Pequim, ainda no curso deste ano, puderam os membros do PC do Brasil compreender a exata dimensão das discrepâncias existentes. Puderam, então, constatar que as discordâncias não diziam respeito unicamente aos partidos da China e da União Soviética. Trata-se de luta de significação histórica entre o marxismo-leninismo e o revisionismo contemporâneo.
Como não podia deixar de acontecer, as teses do Partido Comunista da China, expostas naqueles artigos, bem como na carta de 14 de junho deste ano, dirigida ao Comitê Central do PCUS, despertaram imenso entusiasmo e trouxeram grande satisfação aos militantes e dirigentes do PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL e a amplos setores da classe operária e da intelectualidade progressista. Tais documentos constituem valiosíssima contribuição à luta contra o revisionismo contemporâneo e em defesa dos princípios revolucionários do marxismo-leninismo. Muitas das teses neles defendidas correspondem plenamente à realidade do nosso país. Ajudam-nos a compreender melhor os problemas da luta contra o oportunismo e a ver que as questões ideológicas que estamos enfrentando não estão circunscritas ao Brasil. São fenômenos que se observam em todo o movimento comunista mundial.

Teses do Comitê Central do PCUS prejudiciais ao movimento revolucionário

As lutas que se processam na América Latina comprovam também o acerto das teses do PC da China sobre o movimento de libertação nacional das nações e povos oprimidos e sobre o papel que essas lutas estão chamadas a desempenhar no conjunto da situação mundial. Os povos da América Latina não podem ficar à espera de que a “competição pacífica” decida sobre sua libertação. Estão sob o jugo impiedoso do imperialismo norte-americano que, dia a dia, intervém mais abertamente nos seus negócios internos, põe e depõe governos, espezinha seus sentimentos nacionais e, sob o disfarce filantrópico da Aliança para o Progresso, aumenta a exploração brutal das nações do Continente. A América Latina é cenário de uma guerra surda entre o imperialismo ianque e as massas populares. Por isso, somente a luta mais enérgica, em particular a luta armada, pode abrir o caminho da emancipação aos povos oprimidos deste Hemisfério. É o que demonstram a Revolução Cubana, a luta insurrecional na Venezuela e as guerrilhas que proliferam em diferentes países.
A política revisionista de semear ilusões no imperialismo ianque ou de apaziguá-lo, amainando a luta contra ele e contra as forças reacionárias internas, tem causado sérios prejuízos aos movimentos revolucionários na América Latina. Todos aqueles que não se dispuserem a desmascarar firmemente os imperialistas norte-americanos e a expulsá-los de seus países estão fadados ao completo fracasso. Os verdadeiros revolucionários não podem aceitar as palavras de Kruschev que embelezam o imperialismo dos Estados Unidos. Repelem seus freqüentes elogios a Kennedy. Como admitir que o líder máximo do imperialismo esteja interessado na paz? Ou, que atue com bom senso face às contradições entre os povos e o imperialismo? Como acreditar em Kennedy como representante do setor menos agressivo e menos reacionário dos monopolistas norte-americanos, ele que tentou invadir Cuba, que faz a guerra “especial” no Vietnã do Sul, que organiza os golpes militares na América Latina e realiza uma corrida armamentista sem precedentes na história? Para os latino-americanos, Kennedy é o pior inimigo da paz e da independência dos povos. Soam, assim, em falso, para as grandes massas de nosso Continente, as palavras de Kruschev.
E o mais grave, ainda, é que Kruschev enquanto alimenta esperança nos imperialistas norte-americanos, ataca rudemente os comunistas chineses que dirigiram uma das maiores revoluções de nossa época e que iniciaram uma nova etapa na luta pela libertação das nações oprimidas. É uma afronta à consciência dos povos afirmar que a China quer a guerra termonuclear e aspira à vitória do socialismo no mundo sobre as cinzas das explosões atômicas.
Quem lê os documentos do PC da China e acompanha a política externa da China Popular pode facilmente concluir que os chineses são verdadeiros defensores da paz e que seus líderes indicam o justo caminho para impedir a eclosão de uma guerra atômica. Com sua política de manobras sem princípio, de concessões ao imperialismo, de propagar o terror atômico, de realizar atos aventureiros, de enfraquecer a vigilância dos povos e de dividir o campo socialista, Kruschev põe em perigo a paz. Para evitar a guerra é indispensável desmascarar energicamente a política agressiva do imperialismo, impedir que ele engane as massas, fortalecer a união das forças amantes da paz, em particular, a unidade dos países socialistas, enfim, fazer com que os povos tomem em suas mãos a causa da paz e a defendam até o fim.
Asseverar que os dirigentes chineses desejam arrastar a humanidade a uma guerra termonuclear, como fazem Kruschev e alguns dirigentes de diferentes partidos, é um procedimento indigno de comunistas. Toda tentativa de incompatibilizar os comunistas chineses, apresentando-os falsamente como partidários da guerra atômica somente pode merecer a condenação dos revolucionários e de todas as pessoas honestas. A que ponto chegaram os revisionistas! Para eles, quem quer a guerra atômica não são os imperialistas, mas sim os comunistas chineses!

Unidade à base de princípios

Os desabridos ataques de Kruschev e do Comitê Central do PCUS a revolucionários de outros países minam a unidade do movimento comunista mundial, fazem parte da ação desagregadora desenvolvida pelos revisionistas contemporâneos. Não é a primeira vez que atacam partidos irmãos. Desde algum tempo, insistentemente, lançam toda sorte de diatribes contra o Partido do Trabalho da Albânia que com tanta bravura lutou contra o nazifascismo, dirigiu o movimento de libertação do povo albanês, conduz vitoriosamente a Albânia no caminho da construção do socialismo e sempre se manteve nas posições do marxismo-leninismo e do internacionalismo proletário. Chegaram mesmo a concitar a derrubada de seus dirigentes. E não satisfeitos com isso, tomaram medidas prejudiciais à economia daquele país e dificultaram o trabalho da edificação socialista. Ao passo que levam a cabo tão condenável política, Kruschev e o Comitê Central do PCUS tudo fazem para ganhar as simpatias de Tito, que renegou o marxismo-leninismo em troca dos dólares dos Estados Unidos e mostram-se generosos na ajuda econômica à camarilha reacionária de Nehru, que põe em prática uma política agressiva e de provocações constantes à China Popular.
Cairão no vazio as acusações de Kruschev ao PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL da mesma forma como aconteceu com as calúnias de Prestes e seus seguidores contra provados militantes revolucionários. As assacadilhas dos revisionistas somente poderão honrar os que estão incorporados às fileiras do verdadeiro Partido da classe operária. Revisionistas são solidários com revisionistas e não com os revolucionários. Revolucionários são solidários com revolucionários e não com os revisionistas.
Ao tomar essa posição, defendemos uma política de princípios. Somos partidários da unidade do movimento comunista mundial em torno das idéias marxistas-leninistas contidas nas duas declarações de Moscou. Sustentamos a opinião de que a unidade dos comunistas no Brasil tem de ser forjada à base de uma orientação política revolucionária. A classe operária e os povos do mundo precisam manter-se unidos para enfrentar o imperialismo, salvaguardar a causa da paz e levar adiante vitoriosamente a bandeira da revolução.
Não podemos compreender a unidade como um simples arranjo, escondendo as divergências. Ela jamais poderá ser alcançada se prevalece a concepção expressa por Nikita Kruschev ao se dirigir aos camaradas chineses:
“Pôr de lado todas as controvérsias e divergências, não indagar quem está certo e quem é culpado, não revolver o passado, mas começar nossas relações com uma nova página”.
Isto não tem nada a ver com o marxismo-leninismo. É próprio da política social-democrata. As divergências não devem ser dissimuladas e muito menos postas de lado. Terão de ser superadas por meio da luta ideológica, indispensável ao avanço do movimento revolucionário, para assegurar uma unidade sólida dos comunistas e para resguardar a pureza da grande doutrina do proletariado.
Confiamos que o heróico e experimentado Partido do grande Lênin saberá encontrar o melhor caminho para liquidar as posições errôneas de sua direção que tantos danos vêm causando à luta revolucionária; estabelecer justas relações com os partidos irmãos; e repudiar o revisionismo, desvio mais perigoso no movimento comunista mundial.
O PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL julga que a verdade deve ser dita. Cedo ou tarde, ela acabará se impondo. Sem temer quaisquer obstáculos, estamos dispostos a manter bem alto em nosso país a bandeira do marxismo-leninismo e empenhar todas as nossas forças em prol da vitória da causa revolucionária.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Pedro Pomar: Em defesa da independência nacional


Contra a Guerra Imperialista Ianque, em Defesa da Independência Nacional
                                                                           
                                                                            Pedro Pomar
                                                                   7 de setembro de 1949

É uma feliz e rara circunstância poder dirigir-vos a palavra no dia da festa nacional de minha pátria, no dia em que há 127 anos deixou de ser colônia de Portugal. Nesse largo tempo de sua vida, nosso povo não tem cessado de lutar pela sua real independência, luta hoje orientada fundamentalmente contra o jugo imperialista, em que caiu desde fins do século passado. Mal governado e muitas vezes traído pelas suas classes dirigentes, o povo brasileiro, como todos os povos do mundo, encontra-se, neste instante, num dos momentos mais decisivos de sua história. Sob o impacto da opressão imperialista norte-americana e da preparação guerreira, estamos também colocados na encruzilhada da guerra e da paz. Não temos dúvidas de que os patriotas brasileiros escolherão a estrada da libertação e da paz, que além de ser a menos custosa e a mais honrosa é a que está mais de acordo com as nossas tradições de luta e com o mais digno dos nossos sentimentos de amor à humanidade. Revivemos o passado glorioso de nossas lutas neste dia, para revigorarmos no presente a nossa ação, a fim de exterminarmos a conjura do imperialismo belicoso e em prol de um futuro de paz para o nosso povo e para todos os povos do mundo.

Habitamos um país territorialmente muito grande. Somamos 50 milhões de seres humanos de diversas raças, «melting pot», inteligente e laborioso, mas que vive numa miséria espantosa, a despeito das imensas riquezas naturais e dos recursos que a terra oferece.

Miséria Para o Povo

Segundo a Standard Oil, temos 6% das reservas mundiais de petróleo sem exploração. Montanhas de ferro esplêndido à flor da terra em bilhões de toneladas das quais são forjadas apenas 350 mil num alto-forno ameaçado pelos apetites dos trustes mundiais do aço. Níquel, urânio, areias monazíticas, quedas d'água, borracha e todos os materiais essenciais existem para a construção de enorme parque industrial, mas, não fabricamos máquinas e dependemos do mercado e monopólios dos Estados Unidos, que propagam e esperam, convencer-nos, através de seus agentes, que temos um destino agrícola. Entretanto, a nossa agricultura é arcaica, tem o seu volume físico cada vez mais reduzido em relação com o aumento da população e o rendimento do hectare plantado cada vez mais baixo. Crise agrícola crônica, preços e valorização artificiais para o café, monocultura antes queimada e hoje restringida, mas que ainda produzimos em milhões de quilos, representando quase metade da exportação do país, controlada por firmas norte-americanas. Nada pode dar uma verdadeira idéia das condições de vida dos camponeses, massa faminta e sem terra, vegetando nas grandes fazendas, onde predominam a servidão e o semi-escravagismo. Um milhão e oitocentas mil propriedades rurais para uma população ativa de mais de nove milhões que, com suas famílias, não sabem onde cair mortos. Esse quadro tem o fundo mais negro, se contarmos que cerca de 70% da população são de analfabetos, vitimas da mistificação de campanhas de alfabetização, inclusive do famoso Seminário Pan-Americano de Alfabetização, iniciativa de uma seção de UNESCO, reunida há pouco no Rio de Janeiro.

Descalabro

Inflação, emissões de papel moeda, desvalorização do poder aquisitivo do dinheiro, orçamentos deficitários, dívidas aos banqueiros estrangeiros cada vez mais exigentes, balança comercial e de pagamentos desequilibrada, por causa da remessa de lucros das empresas às matrizes de Nova York e de Londres, eis o nosso atual panorama financeiro. Isso, porém, infelizmente, não é tudo. A situação das massas trabalhadoras piora dia a dia. A característica essencial do momento brasileiro reside nessa agravação, de par com a crescente penetração imperialista em todos os setores da vida nacional.

A prova de que não progredimos está no aprofundamento da contradição entre o atraso de nossa infra-estrutura e o avanço das forças produtivas do mundo inteiro. Ínfima minoria de latifundiários e grandes capitalistas explora e acumula o trabalho de nosso povo, condenando-o à miséria, à ignorância, ao desemprego e ao paulatino aniquilamento físico, por isso que somos um dos povos mais subalimentados do mundo e dos que menos produzem. A média anual dos lucros, atualmente, é de 32% sobre os capitais e os salários mensais dos trabalhadores industriais, que alcançam perto de um milhas e quinhentos mil, são em média 500 cruzeiros, ou sejam, 150 pesos.

O custo de vida, nestes últimos dez anos, subiu cerca de seiscentos por cento, ao passo que os salários nem chegaram ao triplo de 1939.

Domínio dos Trustes

A penetração imperialista não atenua, ao contrário, agrava os problemas de nosso país e de nosso povo. Fazendo-se cada vez mais intensa e abertamente essa penetração objetiva o imediato domínio das fontes de matérias primas e especialmente das estratégicas; liquidar a incipiente indústria nacional, subordinar a economia nacional e o comércio exterior aos trustes ianques; colocar-se como intermediário privilegiado do nosso comercio com outros países; dominar os transportes; assegurar e reforçar suas posições no aparelho estatal brasileiro, através de seus espiões e técnicos, enfim, submeter ao controle dos generais ianques nossas forças armadas.

O Povo Luta Heroicamente

Bem, esta análise está sendo feita de modo unilateral porque não disse ainda o que faz o povo, o que pensa, como luta. Na verdade, a penetração do imperialismo e a grave situação a que chegamos só foram possíveis dada a fraqueza da organização do movimento patriótico. Mas o descontentamento popular, a indignação e as lutas do povo são cada vez maiores, transformando-se em fator político de primeira grandeza. No coração dos patriotas arde o ódio aos opressores e em suas consciências desenvolve-se a idéia da resistência unida contra esse intolerável estado de coisas. Fazem greves importantes os operários por aumento de salário e liberdade; as massas da cidade e do campo realizam lutas cada dia mais vigorosas, em defesa das riquezas nacionais como o petróleo; pronunciam-se os intelectuais pela paz, e até os marinheiros vêm à rua exigindo melhores condições de vida.

Ante o descaramento da intromissão dos negocistas, espiões e militares ianques, como Rockefeller, Abbink e Mark Clark, ante a política de vassalagem em que vai caindo o nosso governo, ergue-se em todas as camadas do nosso povo, patriótico e sempre maior movimento de democracia e independência.

O Perigo de Guerra

À medida que a resistência e as lutas do povo, dirigidas pelo proletariado aumentam, cresce o desespero dos dominadores e, em conseqüência, o perigo de guerra torna-se iminente e grave para o nosso povo. As classes dominantes, sem poderem sustentar-se com as suas próprias forças, odiando e temendo o povo, vendo seus antigos privilégios ameaçados pela combatividade das forças patrióticas, querem também a guerra, preparando, do seu lado, o massacre do nosso povo, e revivem, junto com os trustes ianques, o sonho louco de esmagar o movimento operário, democrático e socialista no mundo, o sonho dos nazistas. Foram por isso ao encontro e em apoio da política expansionista e guerreira dos círculos dirigentes dos Estados Unidos, perdendo todo o sentimento de dignidade nacional e traindo os interesses mais sagrados de nosso povo. Solicitam servilmente a «ajuda» a Mister Truman que, mesmo assim, só a promete e não a dá. Assinaram o Pacto do Rio de Janeiro no qual se comprometem a «defender» os Estados Unidos se estes julgarem que foram agredidos em qualquer ponto de suas quatrocentas e tantas bases espalhadas pelo globo. Exigem até um Pacto do Atlântico Sul, em que fiquem amparados, a fim de poderem solicitar a intervenção armada ianque no caso do nosso povo sublevar-se. Apregoam que já passou a fase da soberania ilimitada e querem girar na «órbita do colosso» americano. Na ONU, pedem o reconhecimento do carrasco Franco, aplaudem a agressão militar ianque na Grécia e justificam a permanência de tropas inglesas no Egito. Não sei se nos países irmãos do continente as classes dirigentes já trocaram a roupa nacional pelo fardamento ianque, como fizeram as classes dominantes brasileiras. Mas deveis saber que há uma histeria belicosa dos governantes, da imprensa venal e do clero reacionário. Pretendendo sair de suas dificuldades atuais, e incapazes de resolver qualquer problema básico de nossa pátria, agarram-se elas, as classes dirigentes, aos aventureiros militares de Washington, como única salvação. Nem se apercebem do exemplo da China.
Preparação Guerreira

Mas, continuemos a examinar o procedimento dessa gente, o que pode ser útil, sob todos os aspectos, embora nos pareça que isso se torne enfadonho e não seja de todo novidade. Na mensagem deste ano, o Presidente da República, general Dutra, revela o crescimento das despesas militares desde 1945, sem falar nos créditos especiais e suplementares. Já devemos mais de 350 milhões de dólares de material sobrante e velho do arsenal de guerra ianque. Dutra tem, ademais, um largo programa de armamentos, para cuja realização aguarda a concretização da cooperação Militar Inter-Americana, ou seja, o Comitê de Padronização, de armamentos previstos no plano Truman. São medidas de guerra que o chefe do governo não se aíreceia de apresentar como inadiáveis. Generais, industriais, banqueiros, fazendeiros, bispos; jornalistas da reação, proclamam a necessidade urgente de esmagar a União Soviética e o comunismo, o que vale dizer, a luta pela independência dos nossos povos. O general Cordeiro de Farias, comandante da Escola Superior de Guerra recentemente criada sob a inspiração ianque, disse que o Brasil marcharia ao lado dos Estados Unidos em caso de guerra. «Ainda que houvesse margem para a neutralidade». O «Correio da Manhã», importante diário porta-voz da reação, faz aberta e constante propaganda de guerra, para não falar dos periódicos oficiais e oficiosos. Aconselha aquele jornal, sem medir, inclusive o ridículo de suas palavras, que as potências ocidentais dirijam um ultimatum à URSS, dando-lhe um ano para recuar suas fronteiras. Enquanto isso, afirma o «Correio da Manhã», devem essas potências preparar o ataque e levá-lo a efeito sem transigir, no prazo marcado. Não obstante, as divergências crescentes entre as classes dominantes, em face da expulsão do capital inglês de suas posições, pelo imperialismo americano, em função da preparação guerreira, elas se unem para reprimir, pela violência e pelo terror, o movimento patriótico, popular e proletário pela Paz, a democracia e a independência nacional. A semelhança de Perón, ditador argentino, que afirma ser a primeira etapa da guerra inevitável contra a União Soviética, aquela que os exploradores têm de travar internamente contra seu próprio povo, repito — igual a Perón e outros do mesmo porte, Dutra transforma seu governo cada vez mais numa ditadura sangrenta. Declara amor à Constituição, diz respeitá-la mas sempre de acordo com os interesses guerreiros e reacionários de seu grupo. Tenta mesmo mascarar as violências policiais com a interpretação «ianque» dos direitos constitucionais, e procura votar leis repressivas sob pretexto de completar a Carta Magna. Transita agora na Câmara dos Deputados uma Lei de Defesa do Estado, que é um típico código policial e fascista, Há outra lei contra a imprensa, outras contra a greve e os sindicatos. A feitura de tais leis não quer dizer que a Polícia não seja há muito tempo o árbitro supremo do que os cidadãos podem ou não fazer, podem ou não pensar. As greves são reprimidas selvagemente, os sindicatos postos sob a intervenção da polícia e as manifestações de massas, qualquer que seja seu caráter, são proibidas e consideradas atos subversivos, os patriotas perseguidos e assassinados. O ditador Dutra arroga-se neste instante o título de herdeiro de Caxias, general do extinto Império do Brasil, que preferia praticar uma injustiça a permitir uma desordem.

O problema da guerra, o perigo do seu desencadeamento, é assim a principal determinante política da situação brasileira. Ele põe seu selo em todos os atos da reação. E esses atos são destinados a garantir a retaguarda e os interesses ianques e os próprios contra qualquer risco, principalmente o originário do movimento popular e libertador pela Paz e a independência.

Não necessitamos de salientar a importância da América Latina nos planos estratégicos do imperialismo. Há pouco tempo, o provocador de guerra Alexandre Seversky, numa inspeção aos nossos países a mando de Washington, assegurava que os Estados Unidos não poderiam travar uma segunda guerra com êxito, a menos que dispusessem do poderio humano e dos recursos da América do Sul.

O Brasil, como sabem, ocupa lugar de primeiro plano tanto por aquelas razões, como pela sua posição geográfica. Esteve recentemente, em nosso país, o general Mark Clark, tomando as derradeiras providências coordenadoras para a utilização do nosso solo para base militar e fonte de recursos para o ataque que esperam levar a efeito contra a União Soviética e as novas democracias. Mas isso tudo são medidas, cálculos, e desejos dos novos candidatos a Nuremberg.

O Povo Brasileiro Vencerá

QUEREIS saber naturalmente como se comportam, no final de contas, as vítimas, a parte mais interessada, aquelas forças que dirão a última palavra sobre o assunto.

Pois bem! Vimos a este Congresso para, entre outras coisas, dizer-vos isto. O povo brasileiro não tem nada que ver com estes cálculos a não ser no que se refere à necessidade de esmagar os seus fautores. O povo brasileiro quer a paz, parque sabe que ela representa o seu sentimento humano e seu interesse patriótico de independência e libertação, de progresso e soberania. O povo brasileiro não lutará em guerra de conquista contra nenhum povo e muito menos contra aUnião Soviética, guardiã vigilante da causa da Paz e da Independência para todos os povos. Não daremos nada do que é nosso, nossa juventude e nosso sangue, nem cooperaremos num crime de lesa-humanidade. As forças democráticas do meu país estão fazendo esforços para colo-car a causa da defesa da Paz como o centro da vida nacional e o ponto fundamental que possa reunir todos os patriotas, sejam de que tendência forem.

A Voz do Patriotismo

Chegamos a este Congresso transportando a mensagem de luta e de unidade dos combatentes da Paz em nossa Pátria. Essa mensagem contém o sangue ardente de 3 patriotas assassinados pelos agentes guerreiros durante a preparação deste magno Congresso Continental. Vicente Malvoni, Jaime Caiado e José Magalhães França, mortos pela ditadura de Dutra, são a mais alta expressão do que o povo brasileiro vem fazendo e está disposto a fazer em defesa da Paz mundial. Para eles e para todos os que se sacrificaram nessa luta que tanto avançou em poucos meses, pedimos deste Congresso uma homenagem especial, porque é nosso dever, antes e acima de tudo, educar os povos com o exemplo dos que não negam a vida em favor de tão elevada causa.

Nossa luta fundamenta-se numa tradição pacífica antiga e nobre, traduzida nas três Constituições brasileiras dos últimos cinqüenta anos. Tomamos parte na grande guerra dos povos contra o fascismo porque se tratava de uma guerra justa e libertadora. Cumprimos nossos dever internacionalista e patriótico e, como resultado da vitória comum, as forças democráticas saíram fortalecidas internamente e obtiveram algumas conquistas, hoje quase todas suprimidas. Desde 1945 mobilizamos essas forças contra a intervenção ianque do embaixador Berle, contra as intrigas e provocações contidas no Livro Azul do Departamento de Estado, visando pressionar a nação argentina, provocações que prosseguem apesar de tudo; lutamos pela expulsão dos soldados ianques de nossas bases militares, o que conseguimos, não obstante a nova ameaça de voltarem. Enfim, tivemos oportunidade de educar o nosso povo, já em 1946, sobre o significado reacionário de uma guerra contra a União Soviética. Isto, entretanto, não exclui o reconhecimento de que tivemos muitas debilidades no desmascaramento e na denúncia das maquinações, da penetração e da agressividade crescentes do imperialismo. Compreendemos com atraso injustificável a nova situação mundial, a divisão do mundo em dois campos antagônicos e irreconciliáveis — um o campo da Paz, o mais poderoso e em crescimento, dirigido pela União Soviética; e o outro, o campo da guerra, dirigido pelos Estados Unidos, à beira da crise e da catástrofe, protetor dos restos fascistas e centro da reação mundial. Estes motivos e mais a subestimação do perigo iminente de guerra, fizeram com que nos lançássemos também com atraso na campanha de defesa da Paz mundial. O apelo para o Congresso de Paris despertou-nos e começamos a reunir as melhores forças de nosso povo, o que nele há de mais representativo na cultura, no movimento operário e patriótica, para expressar o apoio àquele Congresso, cuja importância devemos continuar destacando, pela maneira rápida com que ergueu e mobilizou a ação dos povos para conter o braço traiçoeiro dos provocadores de uma nova guerra mundial, confirmando assim a justeza do fato histórico de que as forças da Paz são tão poderosas que se derem provas de tenacidade e de firmeza serão capazes de sepultar para sempre os planos agressivos do imperialismo.

Frente Anti-Guerra

O movimento brasileiro pela Paz vem ganhando amplitude e profundidade. A imensa vontade de Paz do nosso povo, seus anseios de progresso, de democracia, e de independência, estão sendo transformados numa poderosa frente comum contra o imperialismo e os preparativos belicosos do governo Dutra. Em três Congressos Regionais, que reuniram delegados de todo o país para tirarem resoluções e enviarem representantes a este Congresso Continental, houve manifestações de caráter popular e de massas que mostraram a face dos verdadeiros inimigos da Paz e causaram repercussão nacional e mundial. A ditadura Dutra procura, através da mais furiosa repressão, impedir a luta pela Paz. Nossa delegação foi praticamente impedida de viajar; considera a palavra Paz subversiva e manda sua polícia metralhar qualquer demonstração a seu favor. À frente da Paz, por isso, associa-se cada vez mais a defesa das liberdades democráticas, com a luta anti-imperialista e a defesa da soberania nacional. Estamos ultrapassando aquela fase em que a campanha pela Paz era colocada no mesmo plano de igualdade com as demais tarefas patrióticas do nosso povo. Nossos esforços estão sendo canalizados em ritmo acelerado para o leito comum da defesa da Paz, da qual dependem a democracia e a independência para nós e para todos os povos. Mas não podemos esquecer ainda que as maiores fraquezas do movimento de defesa da Paz residem na diminuta mobilização da classe operária, na falta de confiança em sua capacidade de sacrifício e de compreensão mesmo de seu papel histórico; na falta de maior ligação de suas lutas com o problema fundamental da Paz e com a organização de comitês específicos em todas as empresas. A classe operária é o esteio da luta pela paz e sobre sua unidade e sua firmeza repousam a solidez e o futuro vitorioso dessa histórica tarefa. Existem muitas incompreensões de diversa ordem, em face da amplitude da campanha. Não se compreendeu inteiramente que qualquer restrição a respeito de um partidário da Paz, sincero que seja, prejudica o movimento. E nos tem faltado audácia. A combatividade do povo demonstra que a nossa luta não está maior devido a não termos levado à prática as resoluções do Congresso de Paris, que sabiamente nos exigem audácia.

União Pela Liberdade

Companheiros delegados:

As forças da Paz são invencíveis se permanecem vigilantes e se continuam a desenvolver a mais intensa, audaz e unida ação de massas para deter os assassinos forjadores de uma nova hecatombe. Cada dia que passa é uma batalha ganha, em que mais fortes nos tornamos.

O povo brasileiro está certo de que desempenhará a parte que lhe cumpre nesta missão ao mesmo tempo humana e revolucionária. Ele fará tudo para contribuir no sentido do fortalecimento do campo da democracia e da Paz, sob a gloriosa e firme liderança da União Soviética, defensora do entendimento entre todas as nações, da coexistência pacífica dos povos, por diferentes que sejam seus sistemas sociais. Com o sangue derramado por nossos heróis e com o sacrifício que estamos dispostos a realizar, vamos também tecer os fios da corda vingadora que poremos no pescoço daqueles que intentem, se o conseguirem, crime tão grande contra os povos.

Viemos a este Congresso encontrar o caminho da ação comum, da solidariedade necessária e urgente, e da multiplicação dos nossos esforços contra os instigadores de uma nova guerra. Temos o dever de convencer a todos os patriotas do continente, aos homens e mulheres de cada país, sem distinção, a não ser aquela de ser sincero partidário e combatente da Paz mundial, de que a luta por seus direitos econômicos, políticos e sociais, em defesa da independência nacional, da democracia, da vida e da liberdade de cada ser humano, está em íntima relação com a luta contra os governos de traição e provocadores de guerra. Temos o dever de convencer a todos que a guerra pode ser evitada pela nossa ação unida. Digamos NÃO aos incendiários de guerra. Digamos cada vez mais alto e firmemente que a União Soviética é a nossa mais leal e poderosa amiga, estrela polar de nossa luta em prol da Paz, intransigente defensora de nosso direito de resolvermos soberanamente nossos destinos nacionais. Proclamemos, sem vacilações, que não faremos a guerra dos imperialistas contra o socialismo e contra a democracia. Ao contrário, que faremos desta luta o instrumento de unidade de ação, pela liberdade e pela independência de nossos povos.