domingo, 19 de outubro de 2014

Delegação canadense em visita a Kampuchea

DELEGAÇÃO CANADENSE EM VISITA A KAMPUCHEA

Publicado no: The Call, Vol. 8, No. 23, 22 de Janeiro de 1979.


Entre os últimos estrangeiros a visitarem a Kampuchea e conversar com o Primeiro Ministro Pol Pot antes da recente invasão soviético-vietnamita estava a delegação da Liga Comunista Canadense (M-L). A delegação canadense, liderada pelo Presidente da LCC, presidente Roger Rashi, chegou a Phnom Penh em 23 de dezembro e deixou o país em 30 de dezembro. Rashi concedeu a seguinte entrevista para The Call em seu retorno.
* * *
The Call: Vocês estiveram na Kampuchea quando a invasão vietnamita começou. O que estava acontecendo naquele país? 

Rashi: A agressão vietnamita começou em 25 de dezembro, particularmente na parte nordeste do país. O exército kampucheano estava pronto para resistir o primeiro ataque. Alguns dias depois nós deixamos a Kampuchea, o golpe principal atingiu o sudeste.

Nós viajamos pelas áreas que a “frente fantoche” descreveu como bases fortes, particularmente no sudeste. Não vimos absolutamente nenhum sinal de qualquer insurgência, nem sinais de qualquer revolta, em vez disso, vimos a unidade do povo em torno do governo. Então definitivamente nós dizemos que isto foi puramente uma agressão vietnamita, sem qualquer tipo de insurgência interna.

O quão preparados estavam os kampucheanos para a invasão?

A partir das nossas conversas com o Primeiro Ministro Pol Pot e o Primeiro Ministro Deputado Ieng Sary, parece muito claro que o povo estava preparado e expectativo pelo ataque faz tempo.

Pol Pot nos disse claramente que a estratégia e as táticas do povo kampucheano era basicamente da guerra popular.

Foi isto que Pol Pot nos disse: “Estrategicamente os vietnamitas não podem tomar a Kampuchea. A liderança do Partido, povo unido e o exército foram forjados através de muitos anos de luta contra os EUA. Taticamente, entretanto nós precisamos ser bem vigilantes. O inimigo pode penetrar, especialmente sob cobertura de um forte poder aéreo, artilharia e forças de tanques.”

“Mas quando a guerra for levada a cabo, o Vietnã encontrará muitos problemas”.
 “Quando as batalhas tomarem lugar em nosso território, eles terão muitos planos de ataque, porém o fator determinante é ter uma porção de forças de infantaria. Eles não terão nem o povo e nem a comida. Eles deverão trazer tudo para suprir suas tropas.

“Nós começamos em uma guerra prolongada. Baseados nisso, estamos confiantes no sucesso. Os EUA nos atacaram furiosamente. Lon Nol teve dezenas de milhares de soldados contra nós. O exército de Thieu-Ky nos invadiu. E continuaremos a vencer.

“Então qualquer que sejam as dificuldades temporárias que os vietnamitas nos causarem, nós sabemos que venceremos sobre eles.”

Pol Pot adicionou uma grande importância para o uso pesado da força aérea nesta ofensiva. Ele disse que no último ano a ofensiva vietnamita foi essencialmente feita com tanques e infantaria. Mas nesse ano, ele predisse que poderia haver uso pesado da força aérea.

Pol Pot disse claramente que o uso extensivo da força aérea é o fato da maioria dos aviões estavam sendo pilotados por pilotos russos. Ele disse que as forças armadas kampucheanas estavam prontas para monitorar a comunicação entre os caças e as bases solo que estavam com os russos.

Secundariamente, ele disse que muitos dos tanquistas eram russos que pertenceram às tropas do Pacto de Varsóvia. Ele disse também especificamente que junto com logística enviada, estava uma porção de experts militares na área militar da Alemanha Oriental e outras tropas do Pacto de Varsóvia.

Por causa do uso pesado da força aérea, Pol Pot se deu conta da possibilidade de terem certas perdas nos primeiro estágios da guerra e ele disse muito claramente que as forças kampucheanas não se engajariam num combate frontal com os vietnamitas.

A tática essencial era conceder caminhos e as cidades que estivessem de algum modo vazias, fazendo os vietnamitas estender sua linha o mais forte possível no território kampucheano; enquanto atacam a partir das zonas rurais. Ele poderiam basicamente atacar o flanco e a retaguarda da coluna inimiga com o objetivo de cortá-los em grupos menores, enquanto eles puderem ser aniquilados facilmente pelas forças armadas kampucheanas.

Então a impressão que nós tivemos é que eles estavam perfeitamente preparados em temos de estratégia política e militar para o ataque vietnamita.

A partir do que você disse, qual era a moral do povo kampucheano face à agressão vietnamita?

A partir da nossa viagem por todo o país pudemos medir a moral como sendo bastante elevada. Os muitos poucos comandantes e soldados com quem conversamos para fazer comparações entre a presente situação e a situação durante a guerra libertação nacional de 1970-1975.

Eles disseram, se nós estávamos prontos para suportar os bombardeios pelos EUA ao mesmo tempo em que permaneciam vitoriosos, não haveria problemas se pudéssemos vencer essa guerra presente com o Vietnã.

A segunda coisa era que o exército permanece organizado na base do exército popular. Eles têm o que eles chamam de tropas regulares, tropas regionais, e unidades guerrilheiras. A base do exército sempre será de unidades de guerrilha, enquanto estiverem ligados a cada cooperativa.

Vimos uma coisa no sudeste. Estávamos a cinco quilômetros da linha de batalha. Lá, uma brigada móvel que é basicamente um grupo de camponeses que é enviado para trabalhar em vários campos estava trabalhando justamente sob a arma inimiga.

Enquanto perguntávamos como poderiam os camponeses trabalhar nessas condições, eles disseram, “depois de dez anos de experiência com a guerra e com o grande desenvolvimento da consciência política devido ao trabalho do nosso Partido, nossos camponeses entenderam muito bem que a luta não é somente apontando uma arma e apertando um gatilho. É também estar pronto para manter a produção para o último momento face ao inimigo e colher tanto arroz quanto for possível.”

Eles disseram, “Todas estas pessoas que você vê trabalhando agora nos campos podem ser convertidas imediatamente em uma força de combate.”

Como você poderia comparar as notícias impressas na imprensa canadense e ocidental sobre a invasão que como você disse está acontecendo enquanto vocês estiveram lá?

A principal coisa que parece ser distorcida pela imprensa ocidental é a subestimação da capacidade do povo kampucheano em sua habilidade de conduzir a guerra popular.

Em outras palavras, baseados no fato de que os agressores vietnamitas tomaram a estrada principal para as cidades que estão totalmente vazias, a imprensa ocidental pulou para a conclusão que o regime do “Khmer Rouge” entrou em colapso.

Eu penso numa cuidadosa análise da situação baseada no conhecimento que obtivemos através das nossas viagens pelo país e o nosso debate com Pol Pot, podemos apontar o oposto.

Tivemos a impressão de que a evacuação das cidades e o desenvolvimento das unidades guerrilheiras no país eram parte de um plano que foi desenvolvido nos três transcorridos anos como resposta a qualquer invasão de larga escala no país.
O fato é que o país estava organizado em cooperativas que eram autônomas e auto-suficientes, eram partes de um plano para prevenir a economia de ser interrompida em algum tipo de ofensiva em larga escala. O que pudemos permitir como parte do país pronto para funcionar quase autonomamente, e com isto prover comida e nutrição necessárias para algumas unidades de guerrilhas baseadas localmente.


Então eu penso que todos Esteves fatores, ambos econômicos e políticos, são realmente importantes para poder entender se uma guerra de guerrilha pode ser travada ou não na atual Kampuchea. Isto não foi levado em conta em toda a imprensa ocidental.